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sexta-feira, março 29, 2024

COMO FALAR DE MORTE COM AS CRIANÇAS?

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Confesso que este assunto não estava em minha pauta até vivenciar uma situação em casa.

Certo dia, ao dar banho no João Miguel, meu filho de 6 anos, o notei com um semblante diferente. Antes mesmo da minha indagação, ele falou chorando:

– Mãe, tô com muita saudades da bisa, que vontade de ir na casa da vovó Bete e e falar com ela.

Nossa, não estava preparada para aquela fala, daquele jeito e sem aparente motivo. A bisa, a quem ele se referia, minha avó paterna, faleceu há 2 anos e sempre esteve presente em nossas vidas. Respondi o que consegui, e de verdade, nem me lembro ao certo o que falei. Fui pega de surpresa. Depois de digerir, fiquei pensando no motivo daquela conversa. Que saudade repentina foi aquela que arrancou lágrimas do meu menino?

Curiosa que sou, fui ler sobre o assunto, pois meu objetivo era ajudá-lo a organizar esse sentimento que lhe invadiu. O positivo disso tudo, pelo menos em meu ponto de vista, é que ele consegue externar seus sentimentos, falar e chorar quando sente desejo. Isso facilita minha ação e intervenção como mãe.

Bom, a morte é uma das poucas certezas que temos na vida. É um assunto que, embora cause incômodo ao ser abordado, não muda para ninguém. Esse tema permeia a vida de todos, inclusive das crianças e é unânime entre especialistas que nenhuma deve ser poupada de enfrentar o processo do luto, até mesmo as de pouca idade. Quando privadas de viver essa dolorosa realidade, não exercitam a resiliência necessária para uma vida inteira.

Natália Santana, psicóloga especializada em luto pelo Instituto 4Estações em São Paulo me ajudou a compreender o contexto quando disse: “Falar de luto nos aproxima da morte, que por incrível que pareça, ainda é tratada como fracasso, seja da medicina ou de cuidados. Falamos muito do “se” porque ainda imaginamos ter controle sobre isso. Quando na verdade tanto a morte quanto falar do luto, nos aproxima da realidade. Evitamos falar sobre o que nos trás medos e incertezas, entretanto, necessitamos quebrar os tabus e encarar algo que faz parte da nossa vida.”

É ilusório pensar que as crianças não percebem situações do cotidiano, incluindo as perdas. Por mais que os adultos tentem preservá-las, não podem esconder o clima que uma morte acarreta dentro da família. Além disso, histórias de mortes estão presentes em diversos lugares visitados pelos pequenos: desenhos infantis (Rei Leão e Bambi, por exemplo), livros e programação de televisão. Por isso, não é saudável ocultar das crianças perdas de pessoas queridas ou bichinhos de estimação, dando-lhe a falsa ilusão de que de uma hora para outra, tudo possa voltar ao normal.

Pelos lugares por onde vasculhei a respeito do assunto, captei uma fala que me levou a reflexão: “Nessa fase ela não difere fantasia da realidade, acredita que, assim como nos desenhos animados, dá para se levantar depois que cai uma bigorna na sua cabeça”, ensina Julio Peres, psicólogo e autor do livro Trauma e Separação (Ed. Roca). Ele se refere à criança de até 6 anos de idade.

Então, qual seria a melhor maneira de noticiar uma criança sobre a morte de alguém próximo?

Fale com objetividade e clareza, usando os termos reais. Pronunciar a palavra MORTE pode parecer impactante demais, de fato é. Contudo, não se pode nomear tal condição de outra maneira. Muitos usam parábolas como ” virou estrelinha”. Sim, é um termo delicado e sutil, todavia precisamos lembrar que as crianças, até certa idade são literais, isto é, compreendem o mundo ao pé da letra, exatamente do jeito que o adulto descreve para ela. Pense na confusão emocional daquela que acreditou que alguém querido se “transformou em estrelinha”,porém na verdade morreu e nunca mais voltará. Que ruptura abruta de confiança entre ela e o adulto que a convenceu dessa fantasia. Não existe fórmula ou protocolos oficiais para informar algo tão complexo e delicado, mas com amor e transparência as crianças se sentem mais seguras para experimentar essa dor.

Sobre participar ou não a criança de velórios e enterros, fica a critério de cada família. Tudo depende do ambiente em questão. Submetê-las a condições de extremo desespero, emoções descontroladas pode desencadear nos pequenos um medo exacerbado. É comum cenários como esse em mortes inesperadas. Por outro lado, há quem acredite que a criança, assim como qualquer outro ser humano, merece a oportunidade de despedir-se do falecido. Uma vez tomada essa decisão é essencial que os adultos ao redor estejam minimamente fortalecidos para suportar a manifestação de suas emoções e neste momento, suprir a criança. Sendo assim, é necessário precavê-la sobre o estado que encontrará a pessoa morta, certamente uma impressão bastante diferente da que estava a acostumada a vê-la anteriormente.

Voltando a ocasião que me motivou a falar sobre o assunto, quero contar como a história desenrolou. Poucos dias depois do episódio do choro repentino, chamei o João para uma leitura. Peguei um livro que guardo com muito carinho, creio que de alguma forma, a narrativa me conforta. Chama-se O LIVRO DA AVÓ. O ilustrador português Luís Silva narra as lembranças maravilhosas de um menino com sua avó, uma senhora muito idosa e cheia de rugas. O final do livro sugere, com tamanha sutiliza, a morte da avó e encerra a narrativa com a frase ” FAZ-ME FALTA!”. Quando li esse livro pela primeira vez chorei e muito. Ele traduziu minha saudade por minha avó, falecida há mais de 15 anos. Percebi que poderia ser o momento mais oportuno para ler ao João. Assim que virei a última página, ele perguntou:

– Ela morreu mãe?

– Sim filho, pelo menos é o que parece – Respondi emocionada, pois é importante que a criança saiba que temos emoções e expressá-las é natural e sadio. Se você vive o luto, não esconda isso de seus filhos, revele o ser humano sensível que é ao chorar e lamentar a morte de alguém importante.

Estávamos só nós dois. Prosseguimos o papo e então tive o privilégio de dizer a ele, os princípios que acredito e compartilho aqui com vocês também:

“E, quando eu for e vos preparar lugar, voltarei e vos receberei para mim mesmo, para que, onde eu estou, estejais vós também.” (João 14:3)

Isso quer dizer que nosso Deus está de braços abertos àqueles que amaram seu nome e cumpriram seus mandamentos enquanto viveram nesta terra. Pude dizer ao João que embora a Bisa não viva mais entre nós, a Palavra garante que ela tem um lugar garantido com Jesus e que um dia nos a encontraremos lá também. Sim, essa é minha esperança! Não em vida após a morte, mas num Reino perfeito, que nada tem a ver com essa Terra, onde estaremos eternamente ao lado de Deus, nosso criador.

Coincidência ou não, na mesma semana, assistimos vídeos na internet do Missão Harpa (Você conhece? Fica a dica então, é um conteúdo riquíssimo!). No Hino 300, de Leila Naylor Morris, um trecho diz:

Nossa esperança é Sua vinda

O Rei dos reis vem nos buscar

Nós aguardamos, Jesus, ainda

Té a luz da manhã raiar

Nossa esperança é Sua vinda

O Rei dos reis vem nos buscar

Nós aguardamos, Jesus, ainda

Té a luz da manhã raiar

Jesus, sim, vem, os mortos esperando estão

O gran momento da ressurreição

E do sepulcro em breve se levantarão!

Dai glória a Deus, Jesus em breve vem!

Enquanto observava o clipe João se lembrou da nossa conversa e questionou meu esposo, que reforçou nossa fé e esperança pela volta de Jesus, assim como nosso lugar ao Seu lado após a morte. Se você também tem essa certeza, encha o coração do seu filho de esperança, dê-lhe a notícia!

Apesar das minhas convicções,fui em busca de uma orientação profissional e perguntei a Natália sobre “o depois”. Qual o melhor caminho para lidar com saudade? A mesma afirmou que, entender que cada dia é diferente e que alguns  serão melhores que outros já é um bom começo: “O luto é um processo que tem começo e não tem fim, afinal nunca teremos a pessoa de volta certo? Importante entendermos que o sofrimento faz parte deste processo, que a dor e a saudade nos acompanharão a partir de então. Cada um sofre de um jeito por isso parece tão complicado entender o luto. Enquanto alguns querem ver fotografias e visitar o cemitério, outros vendem a casa e guardam as lembranças num baú. Como me sinto melhor?Isso faz bem pra mim?

E continuou: “Sobre as crianças, não será diferente. Elas também precisarão expressar suas emoções. Podemos ampará-las fazendo uso de suas linguagens próprias como desenhos ou filmes que falem sobre o tema, desenhar, pintar e fazer cartas podem ajudar a dar voz e importância para sua dor nesse processo.”

Encerro com esta passagem maravilhosa, que nos garante que há um tempo para tudo:

“Para tudo há uma ocasião certa;
há um tempo certo para cada propósito
debaixo do céu: Tempo de nascer e tempo de morrer,
tempo de plantar e tempo de arrancar o que se plantou, tempo de matar e tempo de curar,
tempo de derrubar e tempo de construir, tempo de chorar e tempo de rir,
tempo de prantear e tempo de dançar, tempo de espalhar pedras
e tempo de ajuntá-las,
tempo de abraçar e tempo de se conter, tempo de procurar e tempo de desistir,
tempo de guardar e tempo de jogar fora, tempo de rasgar e tempo de costurar,
tempo de calar e tempo de falar, tempo de amar e tempo de odiar,
tempo de lutar e tempo de viver em paz.
Eclesiastes 3:1-8

Autora: Larissa de Farias

Instagram:@larifarias.colodemae

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